Sempre gostei de andar nos campos e um dia a chuva me pegou de surpresa. Bem molhada, cheguei ao meu destino: a cabana pobre de um casal de velhos índios. Vendo-me molhada, eles se assustaram e me ofereceram o fogo para me aquecer. Espirrava muito e já me sentia febril, quando a velha amiga me ofereceu uma das suas roupas. Relutei em vesti-la, mas, temendo ficar doente, logo me encontrei agasalhada sob a pesada veste indígena. O meu irmão, muito solícito, colocou a minha roupa num girau perto do fogo e oramos. Logo depois, conversando, não vimos passar as horas, chegando o momento de retornar ao lar. Quis trocar de roupa e qual não foi a nossa surpresa! Ela ali não se encontrava. Olhei como estava vestida e só imaginei a revolta das outras religiosas quando me vissem. Estávamos assustados, quando escutamos gargalhadas estridentes. Fomos até a porta.
Um índio, vestido com as minhas roupas, fazia os outros rirem. O meu hábito se encontrava em péssimas condições. Ele não havia ainda secado e o índio rolava no chão. Podem imaginar o seu estado lastimável! Senti vontade de chorar. O velho índio, aproximando-se dele, ia aplicar-lhe uma bofetada, tão furioso se encontrava. Corri, passando-lhe à frente. Quando os outros viram de quem era o hábito, partiram para cima do brincalhão, pedindo que eu o deixasse. Não os escutei, abraçando-me com o índio , levando-o para dentro da cabana. Confesso que desejava dar gostosas gargalhadas por vê-lo vestido de religiosa, mas me contive, pois o dono da casa não havia aprovado aquela atitude. Pedi para que tirasse o meu hábito e me devolvesse, o que ele fez, saindo correndo dali. Ia me trocar, mas minha amiga tentou me impedir, pois o hábito se encontrava muito sujo e molhado, mas assim mesmo tive de vesti-lo. Eu só tinha dois e a minha pobreza não permitia pedir um outro à Congregação. Eles me olharam assustados quando me viram vestida. O meu aspecto era péssimo. Despedi-me e quando me pus à porta, uma fila de índias me esperava, desejando me presentear com as suas roupas, já que um deles havia estragado as minhas. Senti vontade de chorar, mas tive força para lhes dizer:
— Obrigada, irmãs, não posso aceitar. Lutei para conquistar cada pedaço desta roupa que agora me pertence. Elas devem ser conquistas nossas, por isso respeito a minha e a de vocês.
O engraçadinho, cabisbaixo, nada tinha para me oferecer, ele já me havia dado a lição que jamais devemos brincar com as coisas alheias. Voltei para casa e nem quero aqui contar as penitências que tive de fazer por não me ter comportado como uma religiosa. O estado da minha roupa falava muito mais do que qualquer palavra de justificação.
Passaram-se os anos. Um dia, alguém me convidou para cuidar da sua filhinha que nascera e que recebera o meu nome. Abracei-o. Emocionado, disse-me:
— Irmã, a tua roupa me mudou por dentro. Que Deus te abençoe.
— Sabe, irmão, que a tua brincadeira me mudou também? Hoje, quando te recordo fazendo os teus irmãos rirem, sinto-me feliz por um dia ter-te emprestado as minhas vestes.
— É mesmo, irmã? Não ficaste com raiva?
— Não, não fiquei. E hoje, feliz, vejo-te já casado, pai de família e mais contente ainda por ter sido lembrada por ti.
— Jamais, irmã, esquecemos quando alguém, que tem tudo para nos condenar, nos perdoa. Você me apresentou um Deus calmo, amigo e criança. Como eu gosto de amá-Lo!
Mensagem constante da obra “Uma rosa em meu caminho”, do Espírito Rosália, psicografada por Irene Pacheco Machado.